A importância de um patrimônio não se restringe à sua beleza e história, mas à natureza de sua relação com a própria comunidade. Essa ligação se estende ao fato de que um patrimônio histórico pode relatar a origem de sua região, o desenvolvimento de seu entorno enquanto parte da composição coletiva do tecido urbano, características de sua pessoalidade e outros elementos que o tornam único e especial, valores muito além da coleção de seus tijolos ou sua datação.
A preservação do patrimônio histórico está relacionada de maneira extrema com essa intimidade que a comunidade do entorno estabelece com o lugar. A questão é: ninguém se interessa e, portanto, não preserva, o que desconhece.
De todos os traços distintivos de um patrimônio histórico, a ambiência é um dos mais relevantes. Num contexto talvez mais romântico, digamos que a ambiência é o espírito do lugar, a sensação intuitiva variável provocada no visitante quando o frequenta, desde o vento no rosto, o cheiro, a luminosidade e até mesmo o déjà-vu, a percepção do pertencimento em algum momento. É como um conjunto de critérios que podem ser utilizados para avaliar, com maior amplitude, a importância daquele imóvel ou local para a comunidade que compõe as redondezas.
É possível, de forma bastante simplificada, citar diversos exemplos da influência da ambiência na relação do patrimônio – não necessariamente imóvel – com seu coletivo. De acordo com o arquiteto Moacyr Corsi Júnior, especialista no assunto e referência em Patrimônios Históricos, a ambiência é também resultado de uma cultura local. A atividade humana é o que gera vida a esse ambiente, estabelecendo parâmetros de cultura, gastronomia, o sotaque, referências de trabalho, estilos das construções, paisagens e outros traços sutis que resultam na composição do todo ao qual não se dá a real importância num primeiro contato. “Quando começamos a compreender algumas dessas informações é que passamos a valorizar a ambiência do patrimônio e a história construída a partir dele.”
Em Piracicaba, interior de São Paulo, a influência cultural na composição da ambiência dos patrimônios imóveis e imateriais é notória. Faz parte da jornada histórica dos piracicabanos, da cidade multiplicada no entorno do rio homônimo e da ação da sociedade a partir da dependência desse elemento. Desde a formação de seus bairros, o modo de se comunicar, o sotaque, a culinária pesqueira, o formato das construções e até mesmo a mobilidade, considerando sua superfície.
Um exemplo dessa formação pode ser observado claramente no roteiro turístico do município. O bairro rural Monte Alegre é um desses lugares em que se pode notar a importância da ambiência de um patrimônio. Sua formação está relacionada ao trabalho em engenho de cana-de-açúcar e à adaptação do local para agregar as famílias de empregados na usina, a maioria italiana e de religiosidade católica. Mesmo com o fim dessa atividade e as transformações sofridas pelo local, ainda é possível a seus visitantes experimentar certo saudosismo naquele contexto bucólico, preservado com poucas intervenções de modernidade, seja caminhando pelas ruas em paralelepípedo, visitando a capela ou observando as vilas de colonos, bastante características.
Outro exemplo na mesma cidade se nota na escolha da população e turistas pelo local da pescaria. Sentar-se à beira do rio Piracicaba, na região específica da Rua do Porto, é ser tomado de um estímulo sensorial histórico e, para muitos, quase mágico, bem diferente da sensação provocada pela pescaria a partir de qualquer outro ponto do município. Além do lugar, há a interação, mesmo que momentânea e passageira, com a população ribeirinha e suas informações populares, que conferem de maneira especial a tal magia.
A integridade espiritual de um patrimônio é de tamanha importância, que sua valorização é capaz de determinar histórias sobre o próprio patrimônio, verdadeiras lendas urbanas que se integram não apenas à comunidade, mas vão além de seus entornos, estabelecendo, por vezes, a história da própria cidade e determinando ações urbanas para seu futuro. Ou seja, cria sua popularidade.
É importante destacar que essa sensação de ambiência é uma via de mão dupla. Não somente quem ou o que se integra ao patrimônio, mas especialmente quem ou o que está relacionado a seus arredores, precisa receber uma observação cuidadosa de preservação para que se estenda a importância da ambiência.
A relevância da paisagem como ambiência de patrimônios históricos se mostra no fato de que patrimônios são ícones que se relacionam com as transformações urbanas. As mudanças sofridas por essas paisagens interferem diretamente na ambiência do entorno do patrimônio e, por consequência, comprometem sua qualificação.
A ambiência de um patrimônio histórico integra um conjunto de critérios, utilizados para a avaliação da importância daquele imóvel ou local para a comunidade que vive naquele entorno. Sua representatividade social é um de seus principais valores na identidade de um povo. Preservá-la é proporcionar a oportunidade da sensação de quem retorna, depois de um longo período, para o seio das melhores lembranças da própria vida.
É na escrita que a jornalista Daniele Ricci se sente mais confortável. Comunicadora e gestora de projetos socioambientais, de educação e cultura, atuou em todo tipo de mídia, assessoria de imprensa e eventos, mas foi o trabalho como repórter que proporcionou seu contato com repertórios interessantes, gente de experiências ricas e muito conhecimento. Criativa e apaixonada por pessoas e palavras, adora garimpar, produzir e compartilhar histórias sobre tudo o que observa. Diretora da Agência DR2c - Conteúdo Criativo e Comunicação Inspiradora. Para ela, a vida é a renovação das experiências e uma boa conversa tem esse poder transformador.